sexta-feira, 17 de junho de 2011

O CATIVEIRO PELAGIANO DA IGREJA

Por R. C. SPROUL.

Logo após o início da Reforma, nos primeiros anos depois de Martinho Lutero afixar suas 95 Teses na porta da igreja de Wittenberg, ele começou a publicar vários panfletos. Um dos mais provocativos teve como título O Cativeiro Babilônico da Igreja. Nesse livreto Lutero fez uma retrospectiva sobre o período histórico do Antigo Testamento quando Jerusalém foi destruída pelos exércitos invasores da Babilônia e a elite do povo foi levada para o cativeiro. Lutero, em pleno século XVI, tomou a imagem do cativeiro babilônico e a aplicou à situação da Igreja em sua época. Falou de Roma como a nova Babilônia que aprisionou o Evangelho, aprisionando-o com a sua rejeição ao conceito bíblico de justificação pela fé. Podemos entender quão polêmico foi esse título nesse período, pois Lutero afirmou categoricamente que a Igreja não havia simplesmente se equivocado, mas havia caído - caído e se transformado numa Babilônia, e agora estava num cativeiro pagão.

Muitas vezes tenho pensado que se Lutero vivesse hoje e olhasse, não para a "igreja" liberal, mas para a igreja evangélica, o que ele diria? Claro que não posso responder a essa pergunta com nenhum tipo de autoridade definitiva, mas penso que seria algo assim: Se Martinho Lutero vivesse hoje e resolvesse escrever, o livro que escreveria em nosso tempo teria como título O Cativeiro Pelagiano da Igreja.

Lutero viu a doutrina da justificação pela fé como o combustível de um profundo problema teológico. Ele escreveu extensamente sobre isso em seu livro De Servo Arbitrio ("A escravidão da vontade"). Quando lembramos a Reforma e seus lemas - Sola Scriptura, Sola Fide, Sola Gratia, Solus Christus, Soli Deo Gloria - percebemos que Lutero estava convencido que o verdadeiro ponto focal da Reforma era a questão da graça de Deus; e que ao enfatizar a doutrina do Sola Fide, justificação somente pela fé, estava igualmente enfatizando o Sola Gratia, a justificação somente pela graça.

Na edição de Fleming Revell de A Escravidão da Vontade, os tradutores J. I. Packer e O. R. Johnston incluíram uma introdução teológica e histórica bem extensa. O parágrafo seguinte é parte do final dessa introdução:

"Essas coisas precisam ser consideradas pelos protestantes de hoje. Com que direito podemos nos considerar filhos da Reforma? Muito do "protestantismo" de hoje não poderia ser chamado reformado nem considerado assim pelos reformadores pioneiros. A Escravidão da Vontade coloca diante de nós tudo aquilo que eles criam sobre a salvação da humanidade perdida. À luz desses fatos, podemos nos perguntar se a cristandade protestante não teria vendido seu legado desde os dias de Lutero até os nossos. Por acaso o "protestantismo" de hoje não tem muito mais de "Erasmianismo" do que de "Luteranismo"? Por acaso não temos sido tentados a minimizar as diferenças doutrinárias em nome de uma suposta paz e comunhão entre os grupos evangélicos? Somos diferentes de Erasmo, a quem Lutero acusou (e com toda a razão) de indiferença doutrinária? Ainda acreditamos que a sã doutrina bíblica é realmente importante?"
Historicamente fica claro que os principais reformadores, começando por Lutero, Calvino e Zwinglio, sustentaram o mesmo ponto de vista no tocante à doutrina da justificação, e com eles todos os protestantes dos primeiros tempos da Reforma. Tiveram divergências sobre outras questões, tais como a natureza exata da Ceia do Senhor. Mas na afirmação da incapacidade do homem causada pelo pecado e da soberania e graça de Deus, foram certamente unânimes. Para todos eles essas doutrinas significavam a essência do Cristianismo bíblico, a verdadeira fé cristã. Um editor das obras de Lutero afirmou:

"Quem fechar este livro sem reconhecer que a teologia evangélica se mantém em pé ou cai juntamente com a doutrina da escravidão da vontade, terá lido em vão. A doutrina da justificação gratuita pela fé somente, que foi o centro tormentoso da controvérsia teológica da Reforma, é geralmente considerada o coração do ensino dos reformadores, mas isso não é exato. A verdade é que o seu pensamento estava realmente centralizado sobre o argumento de Paulo, ecoado por Agostinho e outros, que a salvação dos pecadores é somente pela graça livre e soberana de Deus, e que a doutrina da justificação pela fé foi importante para eles porque salvaguardava o princípio da graça soberana. A soberania da graça encontrava expressão num nível mais profundo de seu pensamento ao descansar na doutrina da regeneração monergista."

Isso significa que a própria fé que recebe a Cristo para a justificação é, em si mesma, o livre dom do Deus soberano. O princípio do Sola Fide não é corretamente entendido até que seja visto como unido ao princípio mais amplo do Sola Gratia. Qual é a origem da fé? A fé é dom de Deus, indicando, portanto, que a justificação é recebida como uma dádiva, um presente de Deus, ou a fé é uma condição para a justificação, a qual é deixada para que o homem a cumpra? Você percebe a diferença? Deixe-me expor em termos simples. Recentemente ouvi um evangelista dizer: "Mesmo que Deus tenha feito muitas coisas para alcançar você e resgatá-lo, no entanto é você, você mesmo, quem deve dar o passo decisivo para ser salvo". Ou considere a declaração de Billy Graham, o mais amado líder evangélico da América no século XX: "Deus fez 99% do que é necessário para a sua salvação, mas agora você precisa fazer o 1% restante".

O que é pelagianismo? Do que estamos falando com a expressão "O Cativeiro Pelagiano da Igreja"?

Pelágio foi um monge britânico do quinto século. Foi contemporâneo do maior teólogo do primeiro milênio da Igreja, Aurélio Agostinho, bispo de Hipona, no norte da África. As obras de Agostinho, tais como A Cidade de Deus e Confissões, permanecem como clássicos do Cristianismo.

Agostinho, além de ser um teólogo brilhante e um intelecto prodigioso, foi também um homem de profunda espiritualidade e oração. Certa vez declarou a Deus: "Ordena o que quiseres, e dá-me a capacidade de fazer o que ordenas". Pelágio não gostou dessa frase. Ao ouvi-la, vociferou contra Agostinho e pediu a Roma que proibisse o bispo de Hipona de continuar a proclamá-la. Pelágio não gostou da segunda parte da frase: "dá-me a capacidade de fazer o que ordenas". Ele disse: "Do que você está falando, Agostinho? Se Deus é justo, reto e santo, e se Deus ordena à criatura que faça algo, é porque certamente a criatura deve ter capacidade, em si mesma, de cumprir os mandamentos de Deus, ou Deus nunca ordenaria coisa alguma". O que Pelágio estava dizendo é que a responsabilidade moral sempre pressupõe capacidade moral ou habilidade moral. Então, por que deveríamos orar "dá-me a capacidade de fazer o que ordenas"? Pelágio viu nessa declaração uma sombra que estava sendo projetada sobre a própria integridade de Deus, pois Ele estaria exigindo das pessoas uma responsabilidade para fazer coisas que as pessoas não teriam condições de fazer.

Nos debates que se seguiram, Agostinho deixou claro que, na criação, Deus não ordenou a Adão e Eva que fizessem algo que eles não seriam capazes de fazer. Mas depois da transgressão e do pecado que levou a humanidade a cair, a lei de Deus não foi cancelada nem ajustada, nem teve seus requerimentos santos rebaixados para acomodar-se à condição humana caída devido ao pecado. Adão e Eva sofreram o juízo divino contra o pecado, por isso todos os seus descendentes já nascem mortos no pecado - essa é a doutrina bíblica do pecado original. Como resultado desse primeiro pecado, temos uma corrupção inata, já nascemos em pecado, e em pecado fomos concebidos. Não nascemos num estado natural de inocência, mas numa condição pecaminosa, decaída. Praticamente cada igreja em algum momento de sua história desenvolve uma declaração doutrinária sobre o pecado original. Do ponto de vista bíblico, seria preciso mudar todo o conceito de "humanidade" se fosse negado o conceito de pecado original.

Essa é precisamente a questão em disputa entre Agostinho e Pelágio no quinto século. Pelágio dizia que o pecado original não existe. O pecado de Adão teria afetado somente Adão. Não haveria transmissão de corrupção e culpa aos descendentes de Adão e Eva. Segundo Pelágio, cada ser humano nasce no mesmo estado de inocência total no qual Adão e Eva foram criados. Além disso ele ensinou que é possível uma pessoa viver em obediência a Deus, uma vida de perfeição moral, sem nenhuma ajuda de Jesus nem da graça de Deus. Pelágio disse que a graça - e aqui está uma distinção importante - facilita a justiça. O que isso quer dizer? Que a graça de Deus torna a justiça própria humana mais fácil, mais simples, mas na verdade você não precisa dela. Pelágio declarou, ainda, que não somente é possível viver de maneira perfeita na teoria, mas que na prática, há pessoas que vivem sem pecado. "Não, não", Agostinho respondeu. Estamos por natureza afetados pelo pecado, até as profundezas de nosso ser - de tal modo que não há ser humano que tenha a capacidade moral de inclinar a si mesmo e cooperar com a graça de Deus. A vontade humana, como resultado do pecado original, permanece sem o poder de escolha, escrava de seus maus desejos e más inclinações. A condição da humanidade caída é tal que Agostinho podia descrevê-la como incapacidade de não pecar. Em outras palavras, o que Agostinho estava dizendo é que na Queda o homem perdeu a capacidade de fazer o que agrada a Deus e tornou-se prisioneiro de suas próprias inclinações perversas.

No quinto século a Igreja condenou Pelágio como herege. O pelagianismo foi condenado no Concílio de Orange, e condenado de novo no Concílio de Florença, e no Concílio de Cartago, e também, ironicamente, no Concílio de Trento, no século XVI, nos primeiros três anátemas dos Cânones da Sexta Sessão. Portanto, consistentemente ao longo da história da Igreja o pelagianismo foi condenado firme e completamente, porque o pelagianismo nega a Queda de nossa natureza, nega o pecado original.

No entanto, o semipelagianismo estava posicionado entre o pleno agostinianismo e o pleno pelagianismo. O semipelagianismo afirma: sim, houve uma Queda; sim, existe o pecado original; sim, a constituição humana foi mudada por este estado de corrupção e nossa humanidade foi significativamente enfraquecida pela Queda, de modo que sem a assistência da graça divina nenhum ser humano pode ter a possibilidade de ser redimido; portanto a graça é útil e necessária para a salvação. Mas, mesmo estando caídos, precisando da graça para nossa salvação, ainda assim temos a capacidade para aceitar ou rejeitar a graça que nos é oferecida. A vontade humana está enfraquecida, mas não escravizada pelo pecado. Há um remanescente no interior de nosso ser, uma ilha de justiça que não foi tocada pela Queda. É a resposta desta ilha de justiça, desta pequena porção de bondade que encontra-se intacta na alma e na vontade, que faz a diferença entre Céu e inferno. Em última análise, é o uso dessa pequena ilha de justiça em nós que determina se iremos para o Céu ou para o inferno. Agostinho não reconheceu essa pequena ilha, nem mesmo um pequeno recife dela. Ele disse que era uma ilha mitológica, que a vontade humana é escrava da natureza pecaminosa, e que o homem está morto em seus delitos e pecados.

Ironicamente a Igreja condenou o semipelagianismo da mesma forma como condenou o pelagianismo original. Mas o tempo passou, e no século XVI o entendimento católico do que acontece na salvação havia mudado, e a Igreja rejeitou os ensinos de Agostinho e de Tomás de Aquino. A Igreja concluiu que há remanescentes de liberdade e bondade que estão intactos na vontade humana e que o homem pode e deve cooperar com - assentir com - a graça de Deus que lhe é oferecida. Se exercemos essa vontade, seremos salvos. E portanto no século XVI a Igreja voltou a abraçar o semipelagianismo.

Na época da Reforma, todos - absolutamente todos - os reformadores estavam de acordo num ponto: a incapacidade moral dos seres humanos caídos de voltar-se para as coisas de Deus; que todas as pessoas, na ordem da salvação, estavam totalmente dependentes, não 99%, mas 100% dependentes, da obra da regeneração monergística, como primeiro passo para receber a fé, e que a fé em si mesma é um dom de Deus. A fé não é o que oferecemos a Deus para a salvação, nem nascemos de novo porque antes escolhemos crer. Na verdade, não podemos nem mesmo crer, até que Deus em Sua graça e misericórdia mude a disposição de nossas almas através da Sua obra soberana de regeneração. Ou seja, o novo nascimento precede a fé. Os reformadores proclamavam que, a menos que o homem nasça de novo, não poderá ver o Reino de Deus, nem entrar nele. Assim como disse Jesus ("Ninguém pode vir a mim, se o Pai, que me enviou, não o atrair", Jo 6.44), a condição necessária para a fé e para a salvação de qualquer pessoa é o novo nascimento, a regeneração.

Os Evangélicos e a Fé

O evangelicalismo moderno, quase uniforme e universalmente, ensina que na ordem da salvação, para que uma pessoa nasça de novo, primeiro precisa ter fé. Você precisa escolher nascer de novo. Não é isso o que temos ouvido? Numa pesquisa de George Barna, mais de 75% de "cristãos evangélicos professantes" dos Estados Unidos expressaram a crença de que o homem é basicamente bom. E mais de 80% afirmaram crer que Deus ajuda a quem se ajuda primeiro. Essas posições não são semipelagianas - são completamente pelagianas! A crença de que somos basicamente bons é um ponto de vista pelagiano. A Igreja está contaminada pelo pelagianismo. Estamos imersos nele. Cercados por ele. Todos os dias ouvimos os seus ensinos. Ouvimos o pelagianismo na cultura secular, nas redes de TV e de rádio cristãs.

No século XIX um pregador muito popular nos Estados Unidos escreveu um livro de teologia, baseado em sua formação universitária em Direito e legislação civil, no qual resumiu seu pelagianismo. Ele rejeitou não somente o agostinianismo, mas também o semipelagianismo, e sustentou claramente a posição pelagiana, afirmando diretamente, sem ambiguidades, que não houve a Queda e que não existe pecado original. Esse homem atacou cruelmente a doutrina da expiação substitutiva de Cristo, e rejeitou duramente a doutrina da justificação pela fé por meio da imputação da justiça de Cristo. A tese básica desse homem é que não precisamos da justiça de Cristo, porque temos, em nós mesmos, a capacidade de sermos justos. O nome desse homem era Charles Finney, um dos mais respeitados evangelistas dos Estados Unidos. Se Lutero estava certo ao afirmar que a Sola Fide é o artigo pelo qual a Igreja permanece em pé ou cai, se a justificação pela fé é uma verdade essencial do Evangelho, se a expiação substitutiva de Cristo é fundamental para o Cristianismo, a única conclusão que podemos chegar é que Charles Finney não era cristão. Como uma pessoa cristã poderia negar as verdades essenciais da salvação?! Ainda assim, Finney está no "Hall da Fama" do evangelicalismo da América. Ele é o "santo padroeiro" do evangelicalismo do nosso tempo. E ele não era semipelagiano, era descaradamente pelagiano.

A Ilha de Justiça

Uma coisa é certa: você pode ser semipelagiano puro e ser completamente bem recebido no movimento evangélico de hoje. Isso significa simplesmente que o camelo enfiou seu focinho na tenda, não somente que está dentro da tenda - ele tirou o dono da tenda para fora da tenda. O evangelicalismo moderno olha hoje com suspeita para a teologia reformada, considerando-a como um cidadão da pior espécie. Alguém pode dizer: "Espere aí, R. C., não ponha todos dentro do pelagianismo; afinal, Billy Graham e outros estão dizendo que houve uma Queda, que precisamos da graça, que há pecado original, e nós semipelagianos não estamos de acordo com a declaração otimista a respeito da natureza humana feita por Pelágio". Isso é verdade. Não questiono isso. Mas é essa pequena ilha de justiça, essa pequena porção intocada de bondade no coração humano, ensinada pelo semipelagianismo, que daria ao homem a capacidade de mudar sua própria natureza e abraçar a oferta da graça, que faz com que o semipelagianismo seja chamado assim e não semi-agostinianismo.

A Bíblia diz que estamos mortos em nossos delitos e pecados. Que somos escravos do pecado e do príncipe da potestade do ar. Que quando ainda estávamos mortos Deus nos deu vida em Cristo. Não estávamos doentes, não estávamos debilitados: estávamos mortos! É isso o que a Bíblia diz: estávamos mortos moralmente.

Temos vontade? Claro que sim. Calvino disse: "Se por 'livre arbítrio' tu queres dizer a faculdade de escolher aquilo que tens capacidade em ti mesmo, de escolher aquilo que desejas, então nós temos livre arbítrio. Se por 'livre arbítrio' tu queres dizer a capacidade dos seres humanos caídos de voltar-se para Deus e escolher as coisas de Deus sem a prévia obra monergística da regeneração, então o 'livre arbítrio' é um termo exageradamente grandioso para aplicá-lo ao ser humano".

A doutrina semipelagiana do livre arbítrio que prevalece no mundo evangélico atual é um ponto de vista pagão que nega o poder do pecado sobre o coração humano. Essa visão subestima o domínio que o pecado exerce sobre nós.

Ninguém gosta de ver as coisas tão ruins como elas são realmente. A doutrina bíblica da corrupção humana é dura e severa. Em nenhum lugar ouvimos o Apóstolo Paulo dizer: "Sabe, é triste que o pecado esteja no mundo; de qualquer modo, ninguém é perfeito. Mas tenham bom ânimo, somos basicamente bons". Você consegue perceber que até mesmo uma leitura rápida da Bíblia nega o semipelagianismo?

Voltemos a Lutero. Qual é a origem da fé? A fé é um dom de Deus, significando que a justificação é uma dádiva que recebemos do Altíssimo? Ou é uma condição para a justificação, condição que devemos cumprir? É a fé uma obra? É a única obra que Deus permite que façamos? Recentemente estava conversando com algumas pessoas em Grand Rapids, Michigan. Estava falando sobre Sola Gratia, e uma das pessoas expressou seu desacordo: "Você está dizendo que é Deus que, soberanamente, regenera ou não o coração humano?"

Respondi: "Sim". Ele ficou ainda mais irritado. "Deixe-me perguntar-lhe algo", eu disse. "Você é cristão?"

"Sim", respondeu ele.

"Você tem amigos que não são cristãos?", indaguei.

"Claro que tenho", respondeu.

Então eu disse: "Por que você é cristão e seus amigos não são?Você é mais justo do que eles?". Ele não era tolo. Não iria dizer: "Claro que sou mais justo. Fiz a coisa certa e meus amigos não". Ele sabia onde eu queria chegar com essa pergunta.

E ele disse: "Oh, não, não".

"Diga-me por quê", retruquei. "Você é mais inteligente do que seus amigos?"

"Não", respondeu.

No entanto ele não queria admitir que a origem de sua salvação era a graça de Deus. Depois de uns quinze minutos, ele acabou dizendo: "Está bem, sou cristão porque fiz a coisa certa, sou mais justo e mais inteligente do que os meus amigos!"

No que essa pessoa está confiando para a sua salvação? Não em suas obras de forma geral, mas numa "obra" em particular. Ele é protestante, evangélico. Mas seu ponto de vista sobre a salvação é católico-romano.

A Soberania de Deus na salvação

Este é o ponto: A fé é uma parte do dom de Deus na salvação? Ou é a nossa própria contribuição para a salvação? Nossa salvação pertence a Deus ou depende, afinal de contas, de algo que fazemos ou deixamos de fazer? Aqueles que defendem que a salvação depende de algo que nós devemos fazer, negam a absoluta incapacidade humana causada pelo pecado e afirmam, desse modo, um semipelagianismo (que hoje é chamado "arminianismo"). Não é de admirar que mais tarde a teologia reformada condenaria o arminianismo em sua essência, porque este é simplesmente um retorno a Roma. O arminianismo faz da fé uma obra meritória, é uma rejeição à Reforma porque nega a soberania de Deus na salvação dos pecadores, a qual foi o princípio teológico e religioso mais arraigado no pensamento dos reformadores. O arminianismo era, aos olhos dos reformadores, uma renúncia ao Cristianismo do Novo Testamento. Afinal, confiar na própria fé não é diferente do que confiar nas próprias obras, e uma coisa é tão anti-cristã e sub-cristã quanto a outra. À luz do que Lutero diz a Erasmo em sua obra A Escravidão da Vontade, não há dúvidas quanto a isso.

E esse ponto de vista predomina hoje no meio evangélico. Assim como o semipelagianismo é uma versão ligeiramente modificada do pelagianismo, igualmente é o arminianismo, e não sei o que acontecerá com a Igreja. No entanto, de uma coisa eu sei: enquanto o arminianismo prevalecer, não teremos uma nova Reforma. Até que nos humilhemos e entendamos que nenhum homem é uma ilha e que nenhum homem tem uma ilha de justiça própria, que somos completamente dependentes da pura graça de Deus para a nossa salvação, não começaremos a descansar sobre a graça e não nos alegraremos na grandeza da soberania de Deus. Até que não rejeitemos a influência pagã do humanismo que exalta e coloca o homem no centro da religião, não teremos uma nova Reforma. Porque no coração do ensino reformado está a adoração e a gratidão dadas a Deus, unicamente a Deus. Soli Deo Gloria. Glória somente a Deus!

Fonte: Biblioteca de la Iglesia Reformada.

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